Seca na Amazônia: produtores(as) do Pará temem que produção seja insuficiente para garantir a renda

Diminuição significativa da produção e dificuldades para transportar são algumas dos desafios relatados pelas OSPs parceiras

A florada cai sem formar os frutos, a terra fica estéril, a produção diminui e deixa os produtores receosos de continuar investindo na plantação sem saber se vão ter retorno: essa tem sido a dura realidade dos(as) produtores(as) que vivem do açaí e do cacau nos interiores do Pará. De acordo com a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), a seca histórica já atinge todos os municípios do estado, assim como o dia a dia de duas Organizações Socioprodutivas (OSPs) que trabalham na cadeia produtiva do açaí e do cacau, parceiras do Projeto Rural Sustentável – Amazônia. 

O olhar de quem vive do açaí

Próximo ao Rio Pará, encontra-se o município de Abaetetuba (PA), um dos maiores produtores de açaí do Pará e que contribui para que o estado seja o maior produtor do Brasil, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), de 2019. Esse é o resultado do trabalho árduo dos produtores e da produtoras rurais que se unem pela dedicação à terra e ao fruto. Alguns deles estão na Associação Multissetorial dos Empreendedores de Beja (AMSETEB), buscando maneiras de driblar a seca e garantir o sustento da casa. 

A presidente da associação, Silvia Adriana Maia, relata que, além de movimentar a economia local, o açaí é uma fonte importante de renda para os(as) produtores(as) rurais, que trabalham durante todo o ano para ter uma boa colheita.“O produtor passa o ano todo fazendo pequenos outros serviços, manejando área, para o período de colheita, que gira em torno de 4 a 5 meses […]. E é aí onde o produtor investe. Então, se não tiver um bom tempo para colheita, será um mal tempo para as outras coisas, para as outras necessidades, pois é do açaí que vem a renda”, ela conta. 

Os efeitos da seca na região são percebidos  desde a cor amarelada das palmeiras até os cachos secos que caem no chão, antes de formar os frutos. “Os grãos caem antes do seu crescimento total. Secam a polpa e caem antes de serem colhidos. A florada cai sem formar os frutos. Os peconheiros não querem perder tempo e subir em palmeiras porque estão secas demais. Não se aproveita nada e desperdiça o serviço da subida, além da plantação estar muito vulnerável à queimada”, diz Silvia.

Com os desafios diários, os produtores e produtoras ficam receosos de investir tempo e recurso, sem grandes certezas de ver o retorno. “Com a pouca produção, o frete se torna caro, causando desestímulo aos produtores, por não valer a pena pagar tão caro pela pouca ou mínima produção”, ela complementa.

Açaizeiros secos e com cachos pequenos, nas áreas de cultivo das comunidades produtivas associadas à AMSETEB. Divulgação: AMSETEB

Além da seca que atinge os açaizeiros, ela conta que as comunidades sofrem com os igarapés quase secos. “A bacia hidrográfica aqui é a do Rio Pará, mas dentro dos territórios estão os igarapés, nos terrenos dos produtores. Alguns já estão secos. Outros à beira de uma crise hídrica por falta de água, mudando assim todo o cenário”, finaliza. 

Na outra ponta do estado, produtores do cacau também relatam crise hídrica

 

Na região sudoeste do estado, em Altamira (PA), estão os produtores e produtoras da cadeia do cacau, que fazem parte do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Município de Altamira (STTR), parceira do PRS – Amazônia. 

Os produtores e as produtoras da OSP vivem do manejo do cacau e das águas que fluem no Rio Xingu, um dos mais extensos e importantes afluentes do Rio Amazonas, que tem enfrentado a quarta crise hídrica de 2024. O baixo nível do rio tem atingido o dia a dia das populações locais e as plantações de cacau da região –  o grão precisa de mais água comparada às outras plantas para se desenvolver.

 

Everaldo Sousa é o presidente da STTR e tem uma longa trajetória na produção do cacau. Ele diz nunca ter visto uma seca como a deste ano. “Trabalho com cacau há 25 anos, mas este é o mais rigoroso dos últimos 20 anos, com impactos bem maiores. Muitos lugares secaram que nunca antes havia secado”, destaca.

 

Rio Xingu, no município de Altamira (PA), abaixo do nível esperado para o período Divulgação: STTR

Segundo ele, a seca tem tornado a terra infertil e diminuído a produção do cacau. “A seca está afetando cada vez mais com o passar dos anos, terras secas e inférteis, e morrendo tanto o cacau novo como os mais antigos”, Everaldo conta. Já o que fica da produção, muitas vezes, acaba se perdendo pela dificuldade de transportar no Rio Xingu. “A produção acaba se perdendo pela dificuldade das embarcações navegarem até os destinos para o escoamento da produção. Assim, acabamos perdendo o que conseguimos salvar”, destaca. 

São situações como essas que as populações amazônicas têm vivenciado com mais frequência em decorrência dos extremos climáticos. No estado do Pará, o Projeto tem caminhado lado a lado com seis organizações socioprodutivas, que dedicam-se às cadeias produtivas do cacau e do açaí. 

Carla Furtado, Coordenadora Estadual do PRS – Amazônia e paraense, destaca que o momento tem sido difícil para todas as populações, em especial às ribeirinhas, indígenas, quilombolas e tradicionais que vivem principalmente dos recursos da floresta. Segundo ela, é urgente e necessário um plano de desenvolvimento sustentável para a Amazônia e para o estado. “O Projeto tem acompanhado de forma direta e indireta os impactos dessas mudanças climáticas que estão afetando cada dia mais a vida, a produção e a produtividade dessas famílias beneficiárias do projeto”, Carla explica. 

Furtado acrescenta: “Estamos traçando e construindo planos de fortalecimento dessas Organizações, dessas famílias e do mercado que elas estão inseridas, de forma participativa, com dimensão social, econômica, ambiental e político institucional para que essas cadeias produtivas possam se potencializar, agregando inclusão socioeconômica, manutenção e regeneração da biodiversidade dos ecossistemas naturais do Bioma Amazônico”, finaliza.

No Pará, o Projeto implementa, com as organizações socioprodutivas locais, iniciativas para o desenvolvimento sustentável das cadeias do açaí e do cacau, que vão desde a produção até a comercialização dos produtos, com foco na geração de renda e mitigação das mudanças climáticas. São seis organizações parceiras no estado: Associação de Preservação do Meio Ambiente do Rio Mupi (APREMARMU), Associação Multissetorial dos Empreendedores de Beja (AMSETEB), Associação dos Moradores e Agricultores Remanescentes de Quilombolas das Comunidades de Santa Quitéria e Itacoãozinho (AMARQUISI), Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Município de Altamira (STTR), Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP), Cooperativa Agrícola dos Empreendedores Populares de Igarapé Miri (CAEPIM), Associação das Mulheres Produtoras de Polpa de Fruta (AMPPF). 

*Você acabou de ler a terceira reportagem da série sobre a seca histórica na Amazônia, com foco no Pará. Saiba mais sobre os impactos da seca no estado do Amazonas e de Rondônia pelo olhar dos(as) produtores(as) rurais dos estados.

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