A seca tem impactado no nível dos rios, na produção e na renda das famílias produtoras que vivem nos interiores da Amazônia. A seca histórica vivida no bioma já atinge cerca de 770 mil pessoas só no estado do Amazonas, de acordo com a Defesa Civil estadual. Entre elas estão produtores e produtoras rurais de duas Organizações Socioprodutivas (OSPs) parceiras do Projeto Rural Sustentável – Amazônia, que vêm sentindo os efeitos das mudanças climáticas no manejo do pirarucu e na coleta da castanha-do-Brasil.
O clima extremo é sentido por quem vive diretamente dos rios e dos recursos da terra.“Eu tenho 32 anos e nunca vi uma seca como a do ano passado e a deste ano. Muitos moradores que trabalham com a castanha-do-Brasil relatam que a produção tem diminuído. As árvores florescem, mas não tem tanto ouriço, devido ao clima muito seco”, conta Adrimar do Santos, presidente na Associação de Produtores Agroextrativistas da FlONA de Tefé e Entorno (APAFE).
De acordo com o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), houve um aumento de 56% no número de municípios com a incidência de “seca severa” em relação ao ano passado, na região.
A seca histórica tem mudado a vida das populações locais e as paisagens naturais da Amazônia. Sem chuvas, os principais rios ficam abaixo do nível esperado para o período. O comércio, os poços e reservatórios ficam desabastecidos. Muitas das populações acabam isoladas e sem água para o consumo – em especial, as comunidades indígenas, ribeirinhas, quilombolas e aquelas distantes dos centros urbanos.
Os efeitos da seca refletem-se também nas águas que fluem no Rio Solimões, um dos principais rios da Amazônia, e que atravessa o Amazonas. Por lá, as águas caudalosas têm perdido espaço para os extensos bancos de areia, e impactado diretamente na vida das comunidades produtoras que compõem a Associação de Produtores Agroextrativistas da FlONA de Tefé e Entorno (APAFE), no município de Tefé, e a Associação dos Produtores Rurais do Setor São José, em Maraã.
O olhar de quem vive da floresta
Willian Carlos trabalha com o manejo do pirarucu há mais de 11 anos e é membro da Associação dos Produtores Rurais do Setor São José, em Maraã, parceira do Projeto. Ele conta que as atividades na região estão totalmente paralisadas por causa do baixo nível dos rios do município. “Já era para nós ter feito [sic] as capturas dos peixes liberado para a cota, porém devido à severa seca não sabemos nem se vamos conseguir tirar os pirarucus esse ano. Tá muito seco os níveis dos rios, que tornam impossível chegar o barco geleiro aqui na comunidade”, conta.
A captura sustentável do pirarucu deve ser feita em um único período do ano para a recuperação da reserva natural da espécie. Depois de capturados, o pescado passa pelo processo de evisceração até estar pronto para a comercialização. Mas com a seca, fica inviável capturar, eviscerar, transportar e garantir a renda da família. “As famílias estão sendo bastante afetadas, principalmente aquelas que têm sua grande parte da renda proveniente do manejo do peixe. Estão sem acesso à produção pesqueira nesse período”, compartilha Willian.
A seca também atinge quem vive dos recursos da terra. Sem chuva, os castanheiros e castanheiras associados(as) à APAFE não conseguem atravessar os igarapés quase secos para chegar até os castanhais. Adrimar dos Santos, presidente da organização, conta que a seca diminui os ouriços da castanha-do-Brasil e aumenta os custos da produção dos alimentos.
“A seca tem afetado em tudo, na produção dos alimentos e na questão de transportar a produção até a cidade. Têm muitas comunidades que ficam sem como navegar pelos rios, e isso encarece a produção”, destaca. Segundo as organizações, os impactos são sentidos no manejo, na extração, na comercialização e na mesa das famílias produtoras – muitas delas comercializam a castanha-do-Brasil e o pirarucu, mas também utilizam para consumo próprio.
Flávia Nonato, Coordenadora Estadual no PRS – Amazônia, conta que, para isso, é necessário promover ações conjuntas, pensando no contexto das famílias produtoras do estado e da Amazônia, e que sejam efetivas para a mitigação dos eventos climáticos. “Eu sou nascida, criada e moradora da cidade de Tefé (AM), e estou acompanhando desde sempre a situação da estiagem no Amazonas. É uma situação que está se agravando. Esse ano tivemos uma seca severa, onde as comunidades estão isoladas dos grandes polos”, compartilha.
Ela acrescenta: “E eu, como participante do Projeto, venho acompanhando de perto as dificuldades das nossas OSPs, de isolamento, de falta de recursos, das dificuldades que passam para participar dos nossos encontros. Mas isso também vai ser importante para construirmos planos e fomentar ações condizentes ao seu contexto e que contribuam para a mitigação das mudanças climáticas. A gente sabe que essa é uma situação que vem piorando. Então, é necessário que as OSPs também se preparem para os eventos extremos climáticos”, destaca.
No estado, o Projeto trabalha com seis OSPs, desde o manejo do pirarucu e da coleta da castanha–do-Brasil até a comercialização. São elas: Associação dos Produtores Rurais do Setor São José, Associação de Produtores Agroextrativistas da FlONA de Tefé e Entorno (APAFE), Associação dos Produtores Rurais de Carauari (ASPROC), Associação do Povo Deni do Rio Xeruã (ASPODEX), Associação Comunitária Indígena Nova Esperança do Povo Kokama (ACINEPEK), Associação do Povo Deni do Rio Xeruã (ASPODEX), Associação de Moradores Agroextrativistas da Comunidade de Repartimento e a Associação de Produtores Agroextrativistas (Repartimento).
O Projeto promove com as OSPs oficinas de fortalecimentos e a construção conjunta de diagnósticos para entender o contexto local e produtivo, assim como as possibilidades de diversificação, divulgação e inserção dos seus produtos em mercados nacionais e internacionais, com foco na geração de renda das famílias e na mitigação das mudanças climáticas. Neste mês, vai reunir atores governamentais e de mercado e organizações socioprodutivas do Amazonas para iniciar a construção conjunta de estratégias mais sustentáveis e inclusivas, direcionadas a todas as etapas que compõem as duas cadeias produtivas.
*Você acabou de ler a primeira reportagem da série sobre a seca histórica na Amazônia, com foco no Amazonas. Continue nos acompanhando para se aprofundar nos impactos da seca pelo olhar dos(as) produtores(as) rurais do estado de Rondônia e do Pará.*
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