Seca na Amazônia: produtores(as) de Rondônia enfrentam crise hídrica e focos de incêndios intensificados pelas mudanças climáticas

OSPs do estado relatam perda na produção e impacto na renda das famílias produtoras

A seca severa deixa o ar mais quente, os solos e rios secos e intensifica os focos de incêndios na Amazônia e em todo o país. Em Rondônia, os impactos da estiagem histórica estão sendo sentido de leste a oeste – seja com o aumento dos incêndios florestais que atingiram as lavouras de café na Terra Indígena Sete de Setembro, em Cacoal (RO), ou com a perda total da produção de peixes redondos, em Monte Negro (RO). Essas são algumas das situações vivenciadas pelas Organizações Socioprodutivas (OSPs) parceiras do Projeto Rural Sustentável – Amazônia no estado. 

O olhar de quem vive da produção do café 

Do norte do município de Cacoal (RO) até o município de Aripuanã (MT), está a Terra Indígena Sete de Setembro, o lar das comunidades indígenas pertencentes ao Povo Paiter Suruí. Muitas das populações indígenas que ali vivem trabalham com a produção do café e fazem parte de duas organizações socioprodutivas parceiras do PRS – Amazônia: a Gap Ey e a Cooperativa de Produção do Povo Indígena Paiter Suruí (COOPAITER). 

Essas organizações têm como principal fonte de renda a produção do café robusta amazônico, que foi reconhecido este ano como patrimônio cultural e imaterial de Rondônia, destacando-se pela qualidade e sustentabilidade. No entanto, apesar da importância do café para o estado, o que ganhou grande repercussão nos últimos meses foi a perda da produção causada pela seca extrema e pelos incêndios florestais. 

Segundo uma das lideranças da Gap Ey, Joaton Suruí, da aldeia Gapgir, uma das maiores preocupações agora é a instabilidade financeira decorrente da perda da produção. “A única renda anual que a família indígenas tem é o café. De muitos anos vem trabalhando para conseguir e é destruído de um dia pro outro. E agora não tem condições para comprar [sic]”, compartilha. Segundo Joaton, os focos de incêndio começaram na TI em julho de 2024 e estão até o momento. 

A liderança indígena falou que entre as ações emergenciais estão a compra de aproximadamente 8 mil mudas de café, cestas básicas e materiais para combater os focos de incêndio. O objetivo é restabelecer, ainda que parcialmente, as atividades produtivas das famílias indígenas atingidas.

🤝Apoie a campanha de arrecadação de fundos da Gap Ey e do PRS – Amazônia

Nesse cenário de emergência climática, o PRS – Amazônia e a Associação Gap Ey lançaram uma campanha de apoio às comunidades indígenas que tiveram suas culturas atingidas pelo fogo. Todo o recurso adquirido será destinado à compra de cerca de 8 mil mudas de café e a outras ações emergenciais de combate aos focos de incêndio. Contribua com qualquer valor. Sua ajuda faz toda a diferença!

📌A chave pix é: solidariedade@iabs.org.br

Focos de incêndios nas área de cultivo da Associação Gap Ey Divulgação: Gap Ey.

O presidente da COOPAITER, Naraymi Suruí, também traz sua própria experiência a partir dos eventos climáticos extremos vivenciados na Terra Indígena. “A seca dos últimos dois anos trouxe grandes consequências para as comunidades indígenas do Povo Paiter Suruí, afetando a produção, devido à falta de chuvas no período da florada e às fortes ondas de calor nos meses de julho a novembro. Também influenciou no preparo do café de qualidade secado em terreiros e no aumento significativo dos focos de queimada”, destaca. 

O presidente relata que as famílias associadas à OSP têm visto a produção de café diminuir ano após ano. “Famílias que produziam cerca de 30 sacas de café, viram sua produção reduzir a menos de 10 sacas. Novas roças, ou mesmo roças já formadas, morreram. O fogo destruiu também outras culturas: a banana, que é uma produção que dá o ano todo, mas que diminuiu a produção devido a seca, gerando ainda mais instabilidade na renda das famílias”, conta. 

Lavouras de café das famílias produtoras da OSP indígena COOPAITER, na Terra Indígena Sete de Setembro, em Cacoal (RO). A plantação está seca devido ao clima extremo na região.

A pouco mais de 100 km de distância está o Elivaldo Eri Kampé, da Terra Indígena Rio Branco, localizada no município de Alta Floresta D’ Oeste (RO). Ele vive na aldeia Cajuí, uma região fluvial composta por 11 aldeias que se conectam pelo Rio Colorado, afluente do Rio Branco. As aldeias que ali estão dependem do rio para suas atividades diárias, para cozinhar, produzir, se locomover e transportar a produção. Mas a realidade dos últimos meses impediu que muitas dessas atividades fossem realizadas. 

Elivaldo é um dos membros da Associação Indígena Fluvial Õtaibit, parceira do Projeto. Ele compartilha que, sem as chuvas regulares, as reservas de água foram rapidamente esgotadas, deixando muitas famílias sem acesso à água segura para beber, cozinhar e cuidar das plantações. “Tivemos muita dificuldade na questão da água potável. Os poços amazonas secaram. Alguns profissionais da saúde tiveram que se mobilizar para perfurar mais um pouco dos poços para que a gente não ficasse totalmente sem água potável”, ele conta.

E quando se fala especificamente sobre a produção do café, Elivaldo faz um resumo dos últimos meses: “A seca causou danos como perdas nos plantios novos de café, dificultando no aumento de produção, assim como na renda de famílias que vivem de café e outros produtos agrícolas que estão ligados à agricultura familiar”, ele conta.

Mas apesar dos intensos impactos da seca, a união das comunidades tem sido fundamental para continuar seguindo em frente. “A crise hídrica trouxe um impacto muito grande, principalmente para nós que moramos na região fluvial, dificultou muito na questão do transporte. A seca foi grande e muitas plantações de café precisaram de água, algumas até não resistiram […]. Mas o pessoal não tem baixado a cabeça, tem plantado, tem animado o cultivo do café”, Elivaldo finaliza. 

Do outro lado do estado, a seca é sentida por quem vive da produção de peixes redondos 

O ano de 2024 é marcado pela grave crise hídrica que Rondônia enfrenta, com os seus principais rios abaixo do nível esperado para o período. O Rio Madeira, um dos mais importantes afluentes do Rio Amazonas, chegou a registrar uma cota mínima de 25cm, em Porto Velho – a menor já vista desde o início do monitoramento em 1967. 

A seca que atinge os leitos do grandes rios é também a mesma que seca córregos, muitas vezes utilizados para desempenhar atividades importantes para a economia do estado, como a piscicultura. Rondônia é o 3º maior produtor de peixe de cultivo do país e o 1º da região Norte, de acordo com o Anuário 2023 Peixe BR da Piscicultura.

Edithe Revay Chaves é psicultora rondoniense, moradora do município de Monte Negro (RO) e uma das associadas da Cooperativa dos produtores de peixe de Monte Negro (COOPEMON), parceira do PRS – Amazônia. Ela trabalha com a produção do tambaqui há 10 anos e relata que os córregos utilizados para exercer a atividade ficaram com cerca de 10% da vazão normal neste ano. “Nós temos períodos de seca e de chuva, a seca seria de maio a setembro, porém não chovia desde início de abril. Só na semana passada começou o período das chuvas. Por falta de água perdemos 4.500 peixes”, destaca. 

Ela conta que, mesmo com o início das chuvas na região, os impactos da seca permanecem e estão sendo sentidos em toda a cadeia produtiva. “A [seca] afetou uma cadeia, não só os produtores”, Edithe compartilha. Segundo ela, mesmo que ainda tivesse parte da produção, não seria possível comercializar por causa da baixa dos rios.“O transporte fluvial para Manaus também foi dificultado pela seca”, finaliza. 

Essas são algumas das situações vivenciadas pelas populações amazônicas, que têm se tornado cada vez mais comum com os eventos extremos climáticos. Em Rondônia, o Projeto tem acompanhado de perto a realidade das cinco organizações socioprodutivas que atuam nas cadeias produtivas do café ou de peixes redondos. São elas: Cooperativa de Produção do Povo Indígena Paiter Suruí (COOPAITER), Associação Gap Ey, Associação Indígena Fluvial Õtaibit, Cooperativa dos produtores de peixe de Monte Negro (COOPEMON) e a Colônia de pescadores e aquicultores Z-1 Tenente Santana. 

Umas das ações centrais do Projeto é ampliar a voz das comunidades produtoras locais e entender suas principais demandas. Mas além disso, o Projeto implementa, com as OSPs, ações para o desenvolvimento sustentável, que vão desde cultivo e a despesa à comercialização dos produtos. O propósito é colocar em prática alternativas robustas visando a diversificação, divulgação e inserção dos produtos da sociobiodiversidade da Amazônia em mais mercados, com foco na geração de renda das famílias e na mitigação das mudanças climáticas. 

*Você acabou de ler a segunda reportagem da série sobre a seca histórica na Amazônia. A primeira foi sobre o estado do Amazonas. Continue nos acompanhando para se aprofundar nos impactos da seca pelo olhar dos(as) produtores(as) rurais do estado do Pará.

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